eSocial

4:22 PM Vinho Novo Contabilidade 0 Comments

Se o eSocial não muda a legislação, por que o modelo de negócios do 
escritório contábil precisa ser reconstruído?

A Copa de 2014 já é considerada por muitos como a melhor de todos os tempos. O tão temido caos na infraestrutura de transporte, as manifestações violentas e os crimes contra turistas não se concretizaram.
Mas, na prática, o sucesso desse evento esportivo não pode ser creditado aos belos estádios. Muito menos à eficiência do transporte público ou da polícia. O que realmente nos encanta são os jogos emocionantes, surpreendentes e de alto nível. O entusiasmo das torcidas e a hospitalidade do povo anfitrião são, de longe, os fatores mais relevantes para o sucesso da “Copa das Copas”.
Outro projeto, entretanto, promete mexer com o dia a dia de todos os brasileiros, sejam empregados ou empregadores. É o eSocial, programa do governo federal que pretende monitorar os eventos trabalhistas, tributários e previdenciários de todos os trabalhadores.
Contracheque e carteira de trabalho eletrônicos irão coibir fraudes e facilitar a fiscalização por parte de trabalhadores e autoridades. Empregados ou empregadores que tentem enganar o governo por meio de práticas ilícitas serão mais rapidamente identificados.
Não que novas leis sejam criadas, mas com o “Big Brother” trabalhista, a tendência é que o cumprimento das já existentes seja mais efetivo. Ou seja, acordos “informais” realizados entre patrões e empregados devem ser reduzidos significativamente.
Mas o eSocial, assim como a Copa, é marcado por muita polêmica e pelo jeitinho brasileiro de levar a vida.
Desde 2010 ele vem sendo planejado. Em meio a muita informalidade, dezenas de cronogramas foram divulgados pela Receita Federal, Caixa Econômica e Ministério do Trabalho . Muitos deles contraditórios entre si e curtos demais para a adequação da sociedade, em especial pequenas empresas e escritórios contábeis.
Finalmente o comitê gestor formalizou um prazo viável para que os empregadores se adaptem a essa nova realidade. Atos normativos da Receita Federal e da Caixa Econômica Federal agora estão em sintonia com as apresentações e comunicados públicos desses órgãos.
A documentação do projeto, essencial para que haja a adequação tecnológica, bem como a preparação de procedimentos, foi divulgada apenas em caráter provisório. A publicação do Manual de Orientação do eSocial versão 1.2 (MOS) está prevista para os próximos meses.
Um ano após a conclusão e divulgação desse manual, as grandes e médias empresas – com faturamento anual superior a R$ 3,6 milhões – serão obrigadas a transmitir os eventos do eSocial.
Sem formalização ainda , o cronograma para os empregadores domésticos é diferente. Segundo as apresentações da RFB, 4 meses após a regulamentação da Emenda Constitucional nº 72, esse grupo será obrigado ao eSocial.
Já para as pequenas empresas, nada foi definido até aqui. A tendência é que elas entrem no projeto em janeiro de 2016.
Para “contribuir” com a construção do eSocial, em torno de 60 grandes corporações participam do chamado grupo piloto. Cercado de críticas e polêmicas, a maior parte dos profissionais envolvidos com o projeto não acredita que esse grupo represente os interesses das demais empresas.
O acesso a informações privilegiadas gera um enorme desconforto e a nítida sensação de que nem todos os componentes do grupo-piloto usam os dados obtidos de forma ética. O processo de escolha dessas empresas também é  um mistério. Nem a própria Receita Federal consegue explicar os critérios de seleção.
Uma das grandes justificativas das autoridades para o eSocial é a redução da burocracia. O comitê gestor já prometeu acabar com uma série de obrigações após a sua implantação definitiva . Anunciaram até a criação de um módulo simplificado, especialmente desenvolvido para as micro e pequenas empresas (MPEs).
Mas a substituição de obrigações antigas por uma nova não é exatamente uma eliminação de burocracia. A palavra mais adequada seria substituição.
Por outro lado, nessa bendita versão menos complexa não terá inteligência computacional capaz de consistir as milhões de regras embutidas nas leis, normas, convenções e acordos coletivos. Assim, o sistema não impedirá que um empregador digite informações contrárias às leis. Portanto, os que comemoram uma digitação mais simples deveriam reivindicar o mesmo para a legislação.
Cronograma confuso, documentação escassa, mistérios e críticas à parte, o eSocial vai ser implantado no Brasil, seja qual for o próximo presidente da República ou campeão da Copa. Sobre isso não há dúvidas. O motivo é fácil de entender. Haverá aumento da arrecadação tributária e previdenciária, bem como a redução de fraudes. O efeito se dará por conta de uma maior percepção de risco: quando temos a sensação de sermos vigiados, temos a tendência natural é cumprir as normas.
Enfim, #VAITERESOCIAL. Não por causa do primor no planejamento de sua infraestrutura. Nem porque somos bons processadores de grandes volumes de dados informatizados. Muito menos porque realizamos reformas que simplificam o empreendedorismo no Brasil e reduzam (de fato) a burocracia.
#VAITERESOCIAL porque o país precisa reduzir fraudes e aumentar a arrecadação previdenciária. Se o legado do eSocial será positivo, só o futuro dirá – assim como a Copa, aliás.
Entenda como o eSocial afeta os custos, serviços e receitas de uma organização contábil.

por Roberto Dias Duarte 


O Brasil hoje conta, conforme dados do Conselho Federal de Contabildade, com 82.593 organizações contábeis. Dados da Receita Federal indicam que o eSocial abrangerá 10.043.639 empregadores. Destes, são 2.103.269 domésticos, 28.793 da administração pública, 287.371 imunes e isentos de imposto de renda pessoa jurídica. 
A maioria dos empregadores tem sua folha de pagamento processada por organizações contábeis. As consequências do eSocial para elas não serão desprezíveis, mesmo considerando que a maior parte dos fornecedores de software realize as adaptações necessárias em tempo hábil.
Quando o assunto é infraestrutura tecnológica, a questão é mais abrangente. O volume de dados transmitidos no período de fechamento da folha será muito maior que os atuais envios de obrigações acessórias digitais. Portanto, estrutura de redes, servidores, Internet rápida e procedimentos de segurança precisarão ser preparados para a nova realidade.

O ponto de maior impacto no risco da implantação do eSocial é a distribuição de processos e informações trabalhistas interempresas, pois os escritórios contábeis dependem das informações fornecidas por seus clientes em conformidade com o prazo e a qualidade requeridos.
Em um país tão diverso como o Brasil, as formas de comunicação entre empresas e organizações contábeis são, por sua vez, as mais variadas possíveis. Telefonemas, recados, documentos e anotações em papel, e-mails, planilhas, mensagens instantâneas e até mesmo redes sociais são meios utilizados para informar dados do empregado, admissões, rescisões, atestados, faltas, horas-extras, afastamentos etc. Também serão necessários para serviços tomados de cooperativas ou cessão de mão de obra, aquisição de produção rural, entre outros.
Na prática, não será viável trabalhar com métodos precários de troca de informações. Empresas e contadores terão que usar sistemas realmente capazes de integrar organizações e departamentos. Assim, é imprescindível que haja uma total reorganização nos processos relacionados à questão trabalhista, inclusive na comunicação entre empregador e escritório contábil.
Portanto, investir em melhoria da infraestrutura tecnológica e na segurança da informação é fundamental para organizações que processam dados trabalhistas e tributários de seus clientes. Sem isso, há grandes riscos de interrupção no trabalho operacional, impossibilidade de transmissão de dados às autoridades e perda ou vazamento de informações confidenciais.
Há ainda a necessidade de estabelecer mecanismos eletrônicos de comunicação entre escritório contábil e seus clientes em um processo similar ao que ocorreu com as instituições financeiras nas décadas de 1990 e 2000, quando estas introduziram o conceito de “home banking”.
Empregadores precisam registar eletronicamente, de forma segura e ágil, os eventos demandados pelo eSocial. Esses registros, por sua vez devem estar disponíveis nos departamentos de pessoal dos escritórios contábeis, sem necessidade de nova digitação.
Não foi sem motivo que os eventos mais difíceis de serem registrados, conforme as respostas coletadas, foram atestados de saúde, comunicação de acidentes de trabalho, admissão, serviços tomados e prestados. Esses, em especial, exigem uma comunicação eficaz e precisa entre empregadores e os escritórios contábeis. 
Dessa forma, é grave a constatação que cerca de um terço dos escritórios contábeis não pretende investir em tecnologia da informação. Isso demonstra que muitos ainda não perceberam a profundidade das mudanças, observando somente o caráter técnico (trabalhista, previdenciário e tributário) do eSocial. 
Outro dado revelador sobre essa percepção é que 57,12% das respostas apontaram que "adequar procedimentos e processos internos” são itens de difícil adequação. Contudo, apenas 42,6% afirmaram o mesmo sobre "estabelecer uma comunicação eficaz dos eventos entre departamentos/empresas”.
O mais alarmante é que apenas 22% consideram a adequação da segurança da informação como uma dificuldade do projeto.
O primeiro desafio de qualquer organização contábil continua sendo o de sensibilizar seus clientes sobre a importância do tema e das mudanças necessárias para que ele se conduza da melhor forma possível nas organizações.
Enviar e-mails, cartas e comunicados até ajudam, mas não resolvem essa questão, pois nada substitui o “dedo de prosa”, o velho e bom “olho no olho”. Assim, o escritório que está realmente imbuído de mudar a cultura de seus clientes, deve complementar as correspondências usuais com a promoção de encontros, palestras e debates.
Coincidentemente, 57,38% das respostas indicaram que essa é a maior dificuldade para adequação ao eSocial, demonstrando que a maior parte dos profissionais tem consciência dos desafios culturais impostos por essa nova sistemática.
Como já citado, 57,12% consideraram difícil a etapa de adequação de procedimentos e processos internos. Por isso, o segundo desafio para as organizações contábeis é fazer um diagnóstico de conformidade para cada cliente. Sem ter plena ciência de como estão as coisas, não é possível saber o que deve ser mudado. Isto é, cada empresa deve se submeter aos “exames" trabalhistas, previdenciários, tributários e tecnológicos. 
Há ainda a análise da situação dos programas de medicina e segurança no trabalho. Parte desse diagnóstico é feito dentro do próprio escritório contábil, como a análise das rubricas da folha de pagamentos. Mas o maior trabalho é mesmo  da empresa. Contudo, sem o apoio e orientação do profissional da contabilidade dificilmente as mudanças irão acontecer.
O diagnóstico é primordial, mas não suficiente. Por isso, o terceiro desafio é dar prioridade para cada “não conformidade” em função de riscos, impactos, custos e prazos. Há quatro estratégias básicas para tratamento dessas ocorrências: aceitar, eliminar, reduzir ou transferir o risco.
Um exemplo bem fácil de entender é a decisão sobre férias fracionadas em períodos acima do permitido pela lei. Algumas empresas podem aceitar esse risco, tendo consciência de seus impactos. Outras, por sua vez, tendem a reduzi-lo a uma quantidade mínima de profissionais. Mas não se esqueça de que essa decisão deve ser tomada sempre pelo corpo diretivo de cada empresa.
Por fim, definido o que precisa ser feito e também qual a estratégia de atuação a seguir, a próxima etapa será estabelecer um plano de ação contendo uma lista de atividades a serem executadas, bem como os seus respectivos responsáveis, prazos e custos. 
Há ainda algumas ações comuns à maioria das empresas, como “revogar” os acordos informais; definir responsáveis pelas informações dos eventos do eSocial; estabelecer processos de obtenção das informações desses eventos; implantar uma tecnologia eficaz para integrar a comunicação entre empresas e escritório contábil; atualizar cadastro dos trabalhadores, rubricas da folha de pagamentos e programas de medicina e segurança do trabalho; formalizar planos de cargos e salários; atualizar e revisar contratos com prestadores de serviços; definir procedimentos de segurança da informação; estabelecer rotinas de contingência tecnológica.
Essas decisões são empresariais. Não cabe ao escritório contábil definir prioridades, muito menos definir quais estratégias a empresa irá adotar para tratar cada um de seus riscos. Por isso, mais uma vez voltamos à questão do envolvimento da liderança empreendedora no processo de adequação ao eSocial.

Esse texto é parte de uma pesquisa realizada pelo autor.  A pesquisa completa pode ser baixada em:
 
http://www.robertodiasduarte.com.br/pesquisa-esocial-contadores.pdf 

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