IGREJAS "IMUNE E ISENTAS"
A ILEGALIDADE
DA DISPENSA DA AUTENTICAÇÃO DO LIVRO DIÁRIO DAS SOCIEDADES SIMPLES E ENTIDADES
IMUNES E ISENTAS
Márcio Damasceno (*)
1. BREVE CONTEXTO HISTÓRICO
O
Código Civil estabelece que todo o empresário e sociedade empresária deve
manter uma escrituração contábil regular[1].
Historicamente, porém, os
contabilistas e as empresas sempre se preocuparam em manter uma escrituração
contábil com vistas a atender aos anseios do fisco. Todavia, essa preocupação
tem sido esvaziada a partir da vigência da Lei 11.638/2007 que pretendeu
convergir as normas contábeis brasileiras para as normas internacionais de
contabilidade, o que chamamos de “nova contabilidade”. Com efeito, aquela nova
contabilidade passou a atender aos padrões internacionais antes não observados,
já que a contabilidade era feita apenas sob a ótica fiscal.
Até o
ano-calendário de 2007, todas as sociedades empresárias mantinham a
escrituração contábil através do Livro Diário, impresso em papel, e depois
levado à Junta Comercial para a autenticação[2].
O mesmo procedimento se aplicava para as sociedades registradas no Cartório do
Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ), a exemplo das sociedades simples e
as entidades imunes e isentas.
A partir do ano-calendário de 2008, e
por força do Decreto 6.022/2007, as sociedades empresárias tributadas pelo
Lucro Real foram obrigadas à transmissão do SPED Contábil que substituiu o
Livro Diário em papel além de outras obrigações acessórias, na forma da IN RFB
787/2007. Ficaram de fora da exigência as empresas tributadas pelo lucro real e
aquelas constituídas na forma de sociedade simples com o registro no RCPJ.
Registre-se
que, diferentemente como muitos pensam, a transmissão da escrituração contábil via SPED Contábil não
é apenas para atender uma mera obrigação acessória perante o fisco federal. Isto porque, segundo consta no referido Decreto 6.022/2007[3] são
usuários do SPED, além da RFB, as administrações tributárias dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios, mediante convênio celebrado com a Secretaria
da Receita Federal, e, os órgãos e as entidades da administração pública
federal direta e indireta que tenham atribuição legal de regulação,
normatização, controle e fiscalização dos empresários e das pessoas jurídicas.
Diz ainda a norma que o acesso às informações armazenadas no Sped deverá ser
compartilhado com seus usuários, no limite de suas respectivas competências e
sem prejuízo da observância à legislação referente aos sigilos comercial,
fiscal e bancário.
Com a vigência da IN RFB 1.420/2013,
a obrigatoriedade da ECD (antigo SPED Contábil) se estendeu também às pessoas
jurídicas tributadas pelo lucro presumido, nas condições nela previstas, bem
como às sociedades simples e entidades imunes e isentas registradas no RCPJ.
No caso específico das sociedades
simples, inclusive das entidades imunes e isentas, como os Cartórios
Extrajudiciais em geral ainda não possuem a infraestrutura para a autenticação
do Livro Diário na forma digital, o fisco federal através do referido ato
normativo decidiu por dispensar a autenticação do Livro Diário em papel.
Este articulado pretende, portanto,
analisar o alcance e os efeitos legais daquela dispensa da obrigatoriedade da
autenticação do Livro Diário em papel das sociedades simples e entidades imunes
e isentas sujeitas ao registro no RCPJ.
2. A EXIGÊNCIA DA AUTENTICAÇÃO DO LIVRO
DIÁRIO PELAS SOCIEDADES E ENTIDADES SUJEITAS AO REGISTRO NO RCPJ
As regras contidas no artigo 1.181 do
Código Civil não se aplicam às sociedades simples nem tampouco às entidades
imunes e isentas na medida em que somente alcança o empresário e à sociedade
empresária, assim entendida aquela devidamente registrada na Junta Comercial.
Mas aí então o leitor desavisado poderia indagar: quer dizer que as sociedades
e entidades com o registro no RCPJ não são obrigadas à autenticação do Livro
Diário? Ledo engano.
Na
verdade, a obrigação consta numa lei antiga, a Lei Federal 3.470/58, que em seu
artigo 71[4],
exige a autenticação do Livro Diário das antigas sociedades civis. Aliás, essa
mesma previsão consta no artigo 258 do Regulamento do Imposto de Renda/99
(RIR/99), aprovado pelo Decreto 3.000/99[5].
Não é forçoso lembrar que com o Código Civil de 2002 as sociedades civis com
fins lucrativos foram substituídas pelas sociedades simples e as sociedades
civis sem fins lucrativos deram lugar às associações e fundações.
Embora a Lei 3.470/58 seja uma lei de
cunho eminentemente tributário não é razoável se imaginar que não se aplicaria
para os fins societários e/ou contábeis. De fato, na falta de uma legislação
que estabeleça as regras para a autenticação do Livro Diário das sociedades
sujeitas ao registro no RCPJ há de se admitir que estariam adstritas ao comando
da mencionada Lei 3.470/58.
Diante dessas premissas poderemos
concluir que a dispensa para a autenticação do Livro Diário das sociedades
simples e das entidades imunes e isentas, veiculada pela IN RFB 1.420/2013,
extrapola os limites da legalidade por contrariar expressamente os ditames
previstos em Lei Federal.
Assim, é recomendável que tais
sociedades e entidades façam levar o Livro Diário para ser autenticado no
respectivo Cartório do Registro Civil das Pessoas Jurídicas (RCPJ), embora se
possa argumentar que o fisco federal dispensa a autenticação.
Mesmo
porque, determinada sociedade simples poderá participar de uma licitação e o
órgão licitante exigir a autenticação do Livro Diário. E, num embate jurídico
em caso de inabilitação do certame licitatório certamente poderá ser suscitada
a ilegalidade da dispensa veiculada por uma mera Instrução Normativa, que não
tem o condão de obrigar ou desobrigar a fazer algo não exigido por Lei em
sentido estrito[6].
Ademais, em caso da sociedade ou da entidade ser demandada em determinado
processo judicial que necessite de prova pericial com base na escrituração
contábil poderá o juiz competente deixar de apreciá-la por não ter sido o Livro
Diário autenticado no registro competente.
3. CONCLUSÕES
Diante de tudo o que foi exposto, e
considerando-se que a Escrituração Contábil Digital (ECD) não se presta apenas
para os fins fiscalizatórios, é nosso entendimento, salvo melhor juízo, no
sentido de que a IN RFB 1.420/2013 carece de legalidade ao dispor sobre a
dispensa da autenticação do Livro Diário no registro competente das sociedades
simples e entidades imunes e isentas.
Márcio Damasceno, contador e advogado, Diretor Tributário do escritório
Fernando Neves Advogados e Consultores Associados, consultor colaborador da
COAD responsável por consultas nas áreas Tributária, Societária e Contábil,
assessor tributário de empresas e instrutor em diversos Cursos, Seminários e
Palestras sobre assuntos tributários, societários e contábeis. Email:
marciodamasceno@fernandoneves.adv.br
[1] Art.
1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema
de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus
livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar
anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
[2] Art.
1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o
caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público
de Empresas Mercantis.
I – a Secretaria da Receita Federal
do Ministério da Fazenda;
II – as administrações tributárias
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante convênio celebrado
com a Secretaria da Receita Federal; e
III – os órgãos e as entidades da
administração pública federal direta e indireta que tenham atribuição legal de
regulação, normatização, controle e fiscalização dos empresários e das pessoas
jurídicas, inclusive imunes ou isentas.
[4] Art 71. Acrescenta-se ao artigo 38 do Regulamento aprovado pelo
Decreto nº 40.702, de 31 de dezembro de 1956, os seguintes parágrafos:
(…)
·
– O número e a data do registro do livro “Diário” serão
fornecidos às sociedades civis pelo competente Cartório de Registro de Títulos
e Documentos.
[5] Art.
258. Sem prejuízo de exigências especiais da lei, é obrigatório o uso de
Livro Diário, encadernado com folhas numeradas seguidamente, em que serão
lançados, dia a dia, diretamente ou por reprodução, os atos ou operações da
atividade, ou que modifiquem ou possam vir a modificar a situação patrimonial
da pessoa jurídica (Decreto-Lei nº 486, de 1969, art. 5º).
(…)
·
4º Os livros ou fichas do Diário, bem
como os livros auxiliares referidos no § 1º, deverão conter termos de abertura
e de encerramento, e ser submetidos à autenticação no órgão competente do
Registro do Comércio, e,quando
se tratar de sociedade civil, no Registro Civil de Pessoas Jurídicas ou no
Cartório de Registro de Títulos e Documentos (Lei nº 3.470, de 1958, art. 71, e
Decreto-Lei nº 486, de 1969, art. 5º, § 2º).
[6] PROCESSUAL
CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. ENTIDADES PRIVADAS DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL. BLOQUEIO DE VERBAS FEDERAIS DO FUNDO NACIONAL DE ASSISTÊNCIA SOCIAL
(FNAS). EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. INADMISSIBILIDADE. OFENSA AOS ARTS.
39, § 3º, DA LEI 8.212/91; 29, IV, E 166, § 3º, II, DA LEI 8.666/93; 26, § 2º,
DA MP 2.176-79/01; 26, III, A, DA LEI 9.473/97. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO.
ALEGADA VIOLAÇÃO DOS ARTS. 56, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI 8.212/91, E 2º-A, DA LEI
9.604/98. NÃO-OCORRÊNCIA. CONDICIONAMENTO DO REPASSE À INEXISTÊNCIA DE DÉBITOS
PREVIDENCIÁRIOS DO MUNICÍPIO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. INSTRUÇÃO NORMATIVA
1/97. INAPLICABILIDADE E ILEGALIDADE. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E
DESPROVIDO. (…) 5. A imposição contida no art. 5º, I, da Instrução Normativa
1/97, da Secretaria do Tesouro Nacional, além de inaplicável ao caso concreto, é manifestamente
ilegal, pois cria obrigação não-prevista em lei, violando, destarte, o
princípio da legalidade e o postulado constitucional de que ninguém é obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (CF/88, art. 5º, II). 6. Recurso especial parcialmente conhecido e,
nessa parte, desprovido.(RESP 200300514851; RESP – RECURSO ESPECIAL – 513772;
Relatora Min. DENISE ARRUDA, STJ, PRIMEIRA TURMA; DJ DATA:06/03/2006).
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